Eu me vejo em você: em Florianópolis para estrear exposição, Felipe Morozini fala sobre arte, política e empatia – Laura Coutinho

Texto de Cristiano Santos*

Fazer arte é um ato político, não há como fugir. Neste momento em que nos encontramos no Brasil, então, nada mais apropriado. Íntimo de Florianópolis, o artista Felipe Morozini abre nesta quinta, dia 11, a exposição fotográfica Eu me vejo em você na inauguração da Galeria Pedra, um precioso espaço no primeiro piso da Casa Quatro Oito, na Lagoa da Conceição. Na mesma noite rola a inauguração do Barca, o novo bar do local, aberto ao público.

Foto Lucy Hallak

O hotel tem direção criativa do paulista que, ao lado da amiga Bianca Engelhardt Pereira, a empresária responsável por essa via contrária do óbvio mercadológico, colocaram a Capital num interessante roteiro que envolve hospedagem, arte, design, música, gastronomia e outras boas ideias. O diminuto número de quatro quartos, desde o início, há dois anos, nunca deixou dúvidas em relação à identidade do projeto.

Felipe iniciou a trajetória como fotógrafo logo depois de deixar o Direito e se mudar para a cobertura que pertenceu à bisavó no Centro de São Paulo. Neste recorte, que inclui 14 imagens, há uma pequena mostra da percepção diária do artista nos últimos 18 anos. De sua casa ele enxerga o outro. São mais de 180 mil fotos e incontáveis histórias.

Foto Lucy Hallak

Nesta entrevista na sacada de um dos quartos da Casa Quatro Oito, com o anoitecer transmutando as cores da Lagoa, conversamos sobre sol, eleições, Minhocão, solidão e o amor em tempos difíceis.

O nome da exposição, Eu me vejo em você, é perfeito para nossa situação atual…
É quase um manifesto abrir uma exposição que chama Eu me vejo em você em um momento como o nosso. Porque está sendo muito difícil a gente se ver no outro. Este trabalho é pautado por uma frase que é “Eu sempre me vejo nessas pessoas mesmo que estas pessoas sejam completamente diferentes de mim”. Mas eu parto do princípio de que todos somos bons, que todos somos justos, que todos respeitem os direitos do outro. Nossos direitos não estão sendo respeitados. A gente está vivendo um momento político super delicado. Talvez seja uma das funções da arte ser um respiro, um questionamento.

Foto Lucy Hallak

Em minhas anotações sobre este seu trabalho lembrei da palavra voyeur, mas não pensei na pergunta. Você pensa nisso?
Acho que há um voyeurismo muito mais por parte de quem vê a foto do que minha. Eu sou muito mais curioso no humano no que este voyeur fetiche. Não tenho essa relação, do Hitchcock, da mulher bonita. Pra mim, não. É  absolutamente o contrário. É a mulher que chora na varanda, com bob na cabeça. Já vi coisas muito fortes.

Você começou a fotografar logo que se mudou para o apartamento que era da sua bisavó?
Quando eu mudei pra lá, em seis meses comecei a fotografar. Eu precisava saber quem estava ali. Se eu me sinto sozinho, o vizinho também. Aquela foto da menina olhando pra baixo, naquela situação, vermelha, aquilo ali pode acontecer com qualquer um. Porque a gente está falando, além de arquitetura, do ser humano. O material humano que reside nestas fotos te permite contar histórias e, principalmente, de novo, porque vou ter que ser redundante, de se ver no outro. Ser um pouco mais humano com pessoas que não tem nada a ver com você. Aqui o sol é libertador, em São Paulo não. Se você mora numa casa onde você tem 20 minutos ou meia hora, no máximo, para ter o sol. No começo eu falava que o nome desta série seria Um Lugar ao Sol. Porque falava sobre a relação física do ser em relação ao sol. Todo mundo precisa disso. Talvez eu me identifique só porque aquele ser está tomando sol. É um hedonismo? É uma necessidade? Só sei que isso faz parte dos hábitos das pessoas. É genial. Tem uma mulher de biquíni tomando sol num lugar que não cabe nada.

Foto Felipe Morozini

A gente aqui, com todo este sol, nem sabe como é isso…
Agora imagine que legal se a empatia chegar a esse ponto de você se colocar exatamente neste lugar. Aqui, vocês acordam e vão pra praia. Lá você não tem onde ir. Por isso também tem a questão do Parque Minhocão. Eu estou lutando por um lugar que é o mínimo, é o mínimo. Tem gente que mora em lugares onde não bate sol. E aí tudo é pago, em São Paulo o lazer é pago.

Como foi a primeira foto?
Aconteceu. Eu comprei uma lente enorme. Eu larguei o Direito e assim que decidi não ser mais advogado, comecei a trabalhar na Capricho. Ali eu aprendi tudo. Mas coincidiu com a saída da casa da minha mãe, a mudança de profissão e a ida para a casa da minha bisavó. E eu me tornar fotógrafo. Me senti completamente livre e perdido. Eu tive quase uma loucura quando eu vi tantas janelas, tanta vida. Aí a gente fica pensando na solidão como estado dos grandes filósofos. Será que em algum momento a gente não esquece da solitude? Solitude é a pessoa sozinha e feliz. Porque muita gente fala “Ai, eu vejo uma melancolia nas suas fotos”. Tem um cara que está ali felizão tomando sol. As pessoas estão se esgueirando em raios de sol. Ao mesmo tempo é mágico. Eu sempre vejo as pessoas felizes. Todo mundo me pergunta “As pessoas sabem que você faz estas fotos?”. A única vez a pessoa me pediu a foto dela. E ela me disse “É emocionante ser retratado com tanto respeito, de uma coisa ordinária que eu estava fazendo transformada em uma coisa extraordinária”. Eu gosto de transformar o ordinário em extraordinário. Aquele casal encostando um a mão no rosto do outro. Eles ficam duas horas todos os dias fazendo ioga, fazendo carinho no rosto. Quem faz isso hoje? É contra tudo o que nos ensinaram. Pra mim é essa uma dessas funções. É você colocar isso numa exposição de uma maneira não escrita. Quando eu fotografo, a minha fotografia só vai ser completa com o seu olhar. Mas o seu olhar vem com uma bagagem, por isso é genial. Cada um vê uma coisa. Nunca se falou tanto de afeto. É impressionante, que nos meus projetos e de todos os meus amigos artistas plásticos, comerciais, palestras, é tudo sobre isso. Acho legal essas fotos porque estou olhando para pessoas que ninguém olha. Eu duvido que não saia alguém emocionado (da exposição). Eu fiz um texto que vai estar na abertura, é maravilhoso, fiz um corte preciso e precioso. Eu termino de um jeito bem honesto. Só me resta isso, ser honesto com a minha arte, com o que eu vivo. Só quero viver num lugar melhor. Está todo mundo machucado, nervoso, polarizado.

Anotei uma frase sua que é “A dureza da cidade me fez mais criativo”…
Exatamente isso. Uma vez um jornalista do Rio me perguntou se eu moraria no Rio e eu respondi que não porque o Rio é lindo. Quando eu pintei o Minhocão (em 2009, ele desenhou com cal flores gigantes na avenida na intervenção premiada mundo afora chamada Jardim Suspenso da Babilônia) e que mudou a minha história e mudou a do Minhocão, ele tinha sido eleito a obra mais feia do ano. Se não tivesse ganhado, talvez eu não tivesse feito nada. A energia negativa foi tão forte que eu tive que vir com aquele tamanho de intervenção. A arte, principalmente quando é pública,  é uma resposta ao que está acontecendo.

Recentemente uma outra frase sua, desta vez publicada na Instagram, “É preciso amar as pessoas como se não houvessem eleições”, foi bastante compartilhada. Como foi isso?
Recebi muitos emails. Você não sabe como fui atacado. Eu adorei ver quem replicou porque entendeu o que eu falei. Mas tive vários amigos que falaram que eu estou louco. Quando meu pai morreu comecei a frequentar o kardecismo. No kardecismo, amar você que é igual a mim é fácil. Vai amar o mal, vai amar o chato, o mala. Não estou falando que você precisa conviver. Eu emito luz para as pessoas. Tiveram, sei lá, 12 mil reposts, foi um absurdo. Ao mesmo tempo entrei no Insta do Meca, que eles postaram, e ali tem três mil comentários, inclusive de pessoas que me conhecem, mas não escreveram na minha (conta), escreveram “É absurdo ter que amar, eu quero saber quem são para não amá-las”.

Mas há um lado positivo nisso tudo?
Acho que sim. Como a frase da Rita Wainer: “Cai num buraco e voltei gigante”. Acho lindo isso. Porque é neste lugar que a gente vai encontrar. A gente percebeu que não é num lugar incrível, que está tudo bem. Talvez a gente tenha que se deparar com essas questões para acabar com elas, que pra mim não deveriam existir em 2018.

Como está o projeto no Minhocão? (Felipe é presidente da associação criada para transformar a obra em um parque)
Chegou num momento em que foi um pouco abandonado pela nova gestão da prefeitura. Depois de acontecer milhares de problemas com segurança, de furtos, a gente conseguiu uma parceria com a guarda civil metropolitana. Mas eu, Felipe, não como diretor da associação, estou cansando. Estimulo as pessoas a frequentar o espaço público, mas o direito dela não é garantido pelo Estado. Me sinto colocando ratinhos na ratoeira para roubarem o celular. Faz sete anos que sou da associação. A gente já conseguiu fechar (o trânsito para automóveis) aos sábados, agora fecha diariamente às 8h da noite, já mudou o bairro. Foi uma conquista que eu acho significativa, mudou o modus operandi do bairro. Está cheio de criança andando de bicicleta depois deste horário.

E como você vê a Casa Quatro Oito em seus primeiros dois anos de existência?
São cinco anos, foram três de projeto. Ele cumpriu a função que se propôs, de ser um lugar sempre novo, um lugar que se propõe discutir o novo. Acho louvável um lugar assim em Florianópolis. Acho necessário um lugar como esse, que valoriza isso. Se eu vier aqui daqui seis meses, estará totalmente diferente. E eu, como geminiano, adoro saber disso.

SERVIÇO:
Exposição fotográfica Em me vejo em você
Entre 12 de outubro e  14 de novembro
Casa Quatro Oito (Rua João Henrique Gonçalves, 1005, Canto dos Araçás, Lagoa da Conceição)
Bar Barca, de terça a sábado, das 17h às 23h
Galeria Pedra, às quartas, sextas e sábados, das 18h às 22h
(48) 3236-7686
Mais infos aqui. 

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Escrito por Cris Santos

Catarinense da Serra, Cristiano Santos é jornalista com especialização em Imagem de Moda. Viciado em informação, atuou por mais de uma década nos grupos RBS e NSC como repórter e colunista de entretenimento. Foi também editor das revistas Donna e Versar. Atualmente, além de assessor de imprensa, estuda Consumo e Comunicação, e colabora com este site.

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