Nossas mesas estão cheias de salmão congelado e peixes do Vietnã enquanto nossa costa é farta de espécies nativas, com tanto ou maior potencial culinário. O tema é polêmico. Envolve hábitos enraizados, a velha visão de vem de fora o que há de melhor e envolve a poderosa indústria da pesca. Foi contemplando essa realidade como chef, restauranter e manezinho ligadíssimo em coisas da terra e do mar, que Alysson Müller, chef catarinense dos mais atuantes e que se prepara para abrir o terceiro restaurante, resolveu empunhar a bandeira dos AMNC`s (alimentos marinhos não convencionais).
SCMC, divulgação
Na programação do Mesa Tendência, que reúne chefs que antecipam ondas gastronómicas dentro do Mesa SP, um dos principais eventos do segmento do país, Alysson vai falar para seus pares, chef e donos de restaurante de todo o Brasil, sobre os esquecidos do mar, citando exemplos de frutos do mar pouco valorizados mas com grande potencial gastronômico e ensinando como aproveitá-los.
– São muitos peixes, moluscos e crustáceos que acabam indo para o lixo mas deveriam estar na mesa dos brasileiros. Enquanto descartamos alimentos frescos, consumimos os congelados. Um dos problemas é que a indústria que vai buscar os peixes em alto mar só traz os peixes nobres, enquanto muitos dos peixes pequenos estão na costa. É difícil achar na peixaria e nos restaurantes, mas chefs e consumidores também tem responsabilidade nisso – diz Alysson.
Nessa receita, não colaboram muito duas manias dos brasileiros: a predileção por peixes de posta alta, como o atum, e a ojeriza por espinhas.
– As pessoas querem peixe como se fosse no McDonald’s, que nunca vai ter espinha porque é processado. É preciso entender que peixe bom é peixe fresco, com sabor, qualidade, com vida. Seja servido inteiro, em posta ou filé.
No D.O.Pescador, seu restaurante que abre início de setembro para os hóspedes do Blue Tree e final do mês de setembro para público externo, Alysson se compromete a, sempre que encontrar AMNC`s frescos, colocá-los na mesa.
– Quero fazer uma cozinha regional. Não dá pra assegurar que terei sempre esses produtos, porque não depende só de mim, mas a gente vai fazer o melhor que puder para desmistificá-los.
Peixe olho de cão, nativo da costa, com legumes salteados e coulis de pimentão amarelo. Foto Alysson Muller, divulgação
Entre os exemplos de ótimos produtos da nossa costa, o chef destaca a tainha, ainda preparada de um jeito que não é o mais adequado.
– É um peixe ótimo para comer cru, em tartar ou sashimi. mas muitas vezes ela ainda e servida frita com aquela gordura em volta da briga que torna o prato – e a digestão – muito pesados – diz, apontando para a necessidade de saber preparar e aproveitar o melhor de cada ingrediente.
– Outros ótimos produtos ainda pouco valorizados são a anchova, que é fantástica para ser feita na brasa, a pescada agulha, o olho de cão, a sardinha, a minilula e o tamboril. É horrível que a gente use peixe do Chile ou tilápia pra fazer ceviche, por exemplo, com tantos peixes bons e nativos.
E uma dica de ouro para o consumidor que quer comprar peixe mais fresco:
– Evite comprar o filé, escolha o peixe inteiro, veja se está fresco e só aí peça para limpar. Levando filé, você pode estar sendo enganado e levado panga do Vietnã – aconselha.