Laci Baruffi, Sílvia Folster e Silvia Coracini têm histórias bem diferentes mas muitos vínculos. As três catarinenses bem-sucedidas são empreendedoras, representantes de um grupo crescente que hoje representa mais de 5 milhões de mulheres e 8% da população feminina no Brasil.
Em um país como o nosso, com cultura de machismo e ainda tantas violações que afetam a mulher, empreender é também um ato de empoderamento e protagonismo. Ter o controle da própria vida faz com que muitas mulheres possam encarar o relacionamento de igual para igual, fazendo diminuir o abismo (social, de direitos e salarial) entre homens e mulheres.
Embora nas três histórias aqui retratadas, a busca por empreender tenha se dado pela identificação de uma oportunidade, nem sempre é assim. Na maioria das vezes, empreender pode se dar pela falta de oportunidades no mercado de trabalho ou até mesmo pela difícil realidade em muitas corporações.
Líder da Rede Mulher Empreendedora, uma organização social que busca espaço para a mulher no mundo dos negócios tem hoje 300 mil associadas e reconhecimento internacional, Ana Fontes empreendeu depois de 17 anos em uma multinacional, onde se sentia sufocada.
“Era e ainda hoje é um ambiente bastante hostil e difícil para as mulheres, principalmente para as que têm filhos pequenos, parece que a gente vira mãe e perde a competência”, contou durante palestra recente em Floripa.
A maternidade também é um ponto importante nesta decisão. Entre as mães empreendedoras, 75% decidiu empreender depois de ter filhos.
Além disso, no empreendedorismo feminino, idealismo e paixão são combustíveis importantes.
O sonho é lindo, mas não basta.
“É preciso ter braço e capacidade para executar. Também precisamos sair da modalidade da competição para o modelo de colaboração”.
Aqui, entrevistei três catarinenses entre milhões de brasileiras que resolveram pelo protagonismo em suas carreiras, mesmo que isso representasse transformação, risco e muito trabalho. Histórias de garra, que trazem, além da busca por prosperidade financeira, a marca feminina por um
E são exemplos inspiradores. Vamos a eles?
Perfil empreendedoras brasileiras – alguns dados
• 55% das empreendedoras brasileiras têm filhos e, dentre as que são mães, 75% decidiram empreender após a maternidade (Fonte: Pesquisa “Quem São Elas”, 2016);
• 55% das empreendedoras buscam mais qualidade de vida, porém 39% delas trabalham 9h ou mais por dia;
• 79% das empreendedoras entrevistadas possuem ensino superior completo;
• A média de idade das empreendedoras brasileiras é de 39 anos, 61% delas são casadas e 44% são chefes de família (Fonte: Pesquisa “Quem São Elas”, 2016);
• 35% das empreendedoras respondentes é MEI, e destas, 17% têm sócios e 39% conta com alguém trabalhando/ ajudando no negócio.
Pesquisa quantitativa online de abrangência nacional, o estudo “Empreendedoras e Seus Negócios” realizada em 2017 pela Rede Mulher Empreendedora com 800 mulheres.
Laci Baruffi: movida à paixão
Há trinta anos o cenário do empreendedorismo no Brasil era muito mais desafiador, mas nem por isso Laci Baruffi e Gilberto Darolt deixaram de acreditar na transformação da paixão pelo couro em negócio. Ele engenheiro mecânico, ela professora de educação física; o casal começou pequenino, fabricando cintos de couro. A mente analítica dele e a criatividade, motivação e capacidade de adaptação dela formaram a receita de sucesso de uma caminhada consistente.
“Tínhamos só uma máquina num quartinho. Era 1987 quando fizemos a primeira coleção de cintos e saímos para vender. Lembro que fomos para Lages e vendemos 112 peças. Isso era algo como mil peças hoje. Depois de um tempo, nos sugeriram expandir para bolsas. Na época, os acessórios de couro eram de grandes marcas ou de pequenas fábricas que trabalhavam com o couro de aspecto natural” – conta Laci, que dá nome e alma à marca e hoje prepara a filha, Julia, 30 anos, para uma sucessão futura.
Depois da fabricação de cinto e bolsas para o atacado, em 1995, a marca começou a migrar para o varejo, com a abertura da primeira loja, em Joinville. De lá pra cá, houve, junto com o reconhecimento do público, o crescimento para seis lojas: Floripa, Balneário Camboriú, Blumenau, Ibirama, cidade onde está a fábrica, além de duas lojas em Curitiba.
“O Gilberto diz que é nosso office boy (risos) e realmente a empresa tem um forte componente de empreendedorismo feminino, mas é ele que nos dá segurança, com ele a gente pode dormir tranquila”.
Na parte criativa, Laci compartilha inspirações com Julia, que também cuida da área de marketing da empresa. Antenada, a administradora especialista em marketing de moda, acaba de se aventurar pelo estilo ao lançar uma coleção limitada de bolsas com assinatura dela.
“A gente está no mercado até hoje por escolher manter uma empresa pequena e ter saído da venda do atacado o que nos dá mais flexibilidade para reverter as crises que atravessamos, acelerando ou freando a produção e fazendo promoções no varejo, por exemplo, onde não se pode ficar com estoque parado”.
“Ela tem muita energia. Isso de a gente se adaptar rápido a diferentes cenários é muito Laci, ela está sempre criando uma novidade, inovando. Eu acho que empreendedorismo é isso”, compartilha Julia.
Temas bem atuais, como propósito, levar sua essência para o trabalho e trabalhar com amor pautam a empresa há décadas:
No relacionamento com os funcionários, surgem outras características bem femininas. Na gestão, falam mais alto a essência e os valores familiares estendidos para a fábrica, e o DNA de Laci, bem de ‘mama’ italiana.
“Sou exigente, mas amo meus funcionários. Quer arranjar uma briga comigo é tratar mal um funcionário. E também sou do tipo que dá muita autonomia para os funcionários – sempre falo que quero que eles sejam muito mais inteligentes do que eu. Não sou de esconder o jogo”.
Embora preparando a filha para o comando, a empresária e designer apaixonada por gastronomia e esportes – tênis é sua modalidade preferida – parece ter energia e amor de sobra para muitos e muitos anos a frente da marca. Inovando sempre, para o próximo ano a ideia é apostar em tecidos sustentáveis
Silvia Coracini: propósito saudável
Do limão uma limonada. A exemplo de muitas empreendedoras, a administradora Silvia Coracini, 35 anos, transformou uma situação difícil na oportunidade da virada. Há quatro anos, ainda trabalhando no mercado financeiro, onde foi funcionária por 16 anos, andava estressada, com sobrepeso e problemas de saúde. Se viu, por isso, na obrigação de adquirir hábitos mais saudáveis. E esbarrou na falta de opções de alimentação congelada, saudável e saborosa.
“Precisei fazer uma mudança radical por saúde e tinha muita dificuldade de encontrar produtos prontos. Isso me desesperou e acabei de me interessando pelo segmento. Vi que tinha uma oportunidade e busquei um MBA de gestão de negócios com ênfase em alimentação”.
Da oportunidade identificada somada ao desejo de fazer algo com mais propósito e onde encontrasse mais realização, surgiu, há dois anos, a Liv for Liv, empresa de congelados saudáveis com sede em São José.
“Antes de me desvincular do banco fiz todo o planejamento da empresa, que contou com investimento próprio meu. A Liv não só atendeu minha expectativa como superou. Vendemos cerca de mil refeições por mês, via delivery e pontos de venda”, contou Silvia, mãe de gêmeos de 14 anos, criados, praticamente, apenas por ela.
O sonho de oferecer comida saborosa e saudável foi alcançado (meu depoimento como consumidora e fã dos produtos). Isso também porque Silvia faz questão de contar com a assessoria do expert André Luiz da Silva, mais conhecido como André Nutrichef, além de priorizar orgânicos e de apostar em processos de produção artesanal que garantem o sabor da comida caseira – como cozinhar a carne de panela por três horas e utilizar tomates orgânicos como base para molhos bem ao estilo “cozinha de mãe”. Não entram na cozinha conservantes, alimentos industrializados, farinha de trigo, glúten ou lactose.
“Nós mulheres temos muita facilidade de articular as coisas, somos comunicativas e muito determinadas. A mulher tem uma garra. Acho que precisamos acreditar mais no nosso poder. Meu arrependimento é não ter começado antes, reconhecido que eu queria algo a mais e ter tido coragem mais cedo”.
O financeiro é muito importante, mas a dedicação diária tem outros combustíveis:
“Estou em busca de um sonho, de me realizar profissionalmente e fazer o bem para as pessoas. Sucesso financeiro e crescimento são consequência”, diz Silvia, que planeja transformar a liv nome numa rede de franquias, mas sem nunca perder a essência.”
Sílvia Folster: referência em intraempreendedorismo
Sílvia não é e nunca foi dona de empresa, mas quem conhece a história da administradora de 45 anos, concorda que ela é referência em empreendedorismo feminino para todas nós. E também a prova indiscutível de que dá para ser empreendedora mesmo sendo funcionária.
CEO da Cianet, empresa de telecom sediada em Florianópolis, Silvia tem uma carreira pautada no intraempreendedorismo, conceito que ganha espaço em empresas mais horizontais, com funcionários proativos e multidisciplinares. E neste quesito, Silvia acredita que a mulher sai na frente.
Natural de Palhoça, ela começou a carreira na área administrativa de uma empresa de tecnologia de software em Florianópolis, mas a forte veia de negócios a levou logo para o setor comercial.
“Sempre agi como se a empresa fosse minha. Meu pensamento sempre foi: vou fazer o que tiver que fazer para a empresa dar muito certo, crescer, desenvolver-se, ter longevidade, gerar renda e emprego. Quando eu estava no setor administrativo, por exemplo, vi que se tivéssemos o setor comercial interno invés de terceirizado ganharíamos mais”
Departamento criado, Silvia conquistou o cargo de gerente e logo depois passou a montar equipes, especializando-se também em recrutamento. E aí surgiu uma equipe de 40 mulheres selecionadas por ela.
“Na área de vendas, as mulheres se revelaram persistentes sem serem insistentes e próximas sem serem íntimas”.
Foi nessa época, aos 33, que ela buscou a faculdade de administração. Antes disso, o tempo todo era dedicado ao trabalho e ao filho, que entrou no terceirão quando a mãe ingressou na faculdade. Sim, a maternidade veio cedo: mãe aos 16 anos, viúva aos 19, Silvia sempre teve a independência como meta e a disciplina como aliada.
“As pessoas perguntam qual foi a tua maior conquista e eu digo: minha independência. Aos 11 anos meu pai não me dava dinheiro para nada. Sempre tive que me virar e a sensação de que tudo é possível e nada é difícil foi crescendo.
Questionadora, a profissional viu a faculdade despertar certas inquietudes: “Vi que só ter uma experiência – eu estava há 17 anos na mesma empresa – era pouco. Saí para novos desafios há nove anos, quando recebi o convite de vir pra Cianet, que era uma empresa menor, mas tinha muito a ser desenvolvido.
Lá, ela assumiu a diretoria comercial e novamente montou sua equipe, elevando o faturamento da empresa de R$ 300 mil a R$ 5 milhões. Há um ano, veio mais um reconhecimento: o convite para assumir a direção como CEO.
“Mudei o posicionamento da empresa: de uma indústria que fornece hardware para uma empresa de soluções no mercado de telecomunicações se abrindo para inovar e trabalhar software, parceria e serviço”.
Mesmo com tanto êxito e uma carreira brilhante, as diferenças e barreiras encontradas pelo fato de ser mulher não passaram despercebidas:
“Parece que o mercado de trabalho foi criado para o homem, a mulher teve que conquistar. Então, o que sempre fiz foi: me capacitar como louca. Eu estava sempre me preparando. Já encarei cantada, questionamento de porque meu salário era igual ao de um colega homem sendo que tínhamos o mesmo cargo, e precisei provar minha competência muito mais vezes por ser mulher.