Entrevista com Bela Gil: "acho egoísmo pensar só no paladar, comer é um ato político" – Laura Coutinho

É bastante paradoxal confrontar a (falsa) ideia de que Bela Gil quer aparecer, é radical ou polêmica com a doçura, leveza e discrição quase tímida da carioca, que emana paz e sensatez,  principalmente quando o contato é a vivo. Sem qualquer sombra de autoritarismo, arrogância ou pedantismo, a chef e culinarista conversou recentemente com a plateia catarinense em palestra produzida pelo projeto Consciência Evoluída, no teatro Pedro Ivo (lotado!).

Antes do papo sobre como ela acredita ser possível mudar o mundo através da alimentação, Bela recebeu algumas pessoas no camarim e falou atentamente com cada uma delas, respondeu a perguntas sempre olhando no olho e com uma serenidade de dar inveja. Por ali, circulou com o caçula, o rechonchudo Nino, de um ano, e o marido Joao Paulo Demasi, que, durante a palestra, se dividia entre os cuidados com o filho do casal e os registros para as redes sociais da companheira.

Ainda que a filha de Gilberto e Flora Gil viva num mundo ainda pouco acessível para a maioria dos brasileiros por motivos econômicos e sociais, ela sem dúvida eleva o nível da discussão e já influenciou um bocado: depois de seis temporadas de Bela Cozinha, ela estrela o reality Vida mais Bela (ambos no GNT), e acaba de lançar seu terceiro livro, Bela Cozinha – Ingredientes do Brasil, depois da duas primeiras publicações de sucesso, que ultrapassaram as 300 mil cópias vendidas.

– Acho egoísmo pensar só no paladar. Comer é um ato político – disse na palestra, alertando sobre a importância da soberania alimentar para uma população hoje tão influenciada pelas empresas de sementes e as industrias alimentícia e farmacêutica.

Confira nosso papo antes da palestra.

Palestra em Floripa. Foto: Juarez Machado, divulgação

De que forma a alimentação se conecta com uma nova era, de mais consciência e busca pela felicidade?
A comida está muito relacionada com vários outros aspectos da nossa vida, mas principalmente com o bem estar. Se a gente come bem, a gente vive bem. Eu acho que isso é o que mais importante em uma alimentação saudável: a gente se sentir saudável, plena e em harmonia com a natureza. O caminho é esse: a gente comer bem para estar bem e não necessariamente para viver mais ou estar mais belo.

A medicalização dos alimentos é vista com reserva por parte do segmento da gastronomia. Segundo a sua visão, os alimentos devem ser encarados como fonte de prazer ou como remédios?
Ambos. As pessoas devem achar que eu não gosto do que eu como ou algo assim, mas na verdade eu tenho muito prazer no que eu como. Acho que a comida para ser boa e gostosa também precisa ser boa para o meio ambiente, precisa fazer bem para mim, precisa ser cultivada de uma maneira mais orgânica e saudável. Acho que tudo isso tá englobado. Tudo pode estar dentro de uma dieta saudável, basta a gente entender quanto pode comer, como comer, quando comer. Hipócrates já dizia: faça do seu alimento o seu remédio. Eu sigo muito esse princípio de que quero comer bem para viver bem e comida tem que ser gostosa. Eu, por exemplo não gosto de brigadeiro, não é algo que me agrada. É preciso educar o paladar.

Quais alimentos bastante consumidos por brasileiros deveriam ser excluídos das nossas dietas?
Acho que não faz sentido o refrigerante estar dentro de uma dieta. No máximo, deveria ser visto como uma bebida alcoólica que a gente sabe que pode consumir esporadicamente e não estar consumindo todo dia junto com a refeição. Não é necessário para vida de ninguém. Mas quem gosta, quem tem um prazer naquilo, valoriza esse momento e tome raramente.

E quais alimentos deveríamos incorporar como hábito?
Todas as folhas verdes O brasileiro come muito pouco verde.

A ligação da mulher com a alimentação é muitas vezes doente, pautada em uma relação neurótica, em dietas mal sucedidas e no efeito sanfona. A saída é abandonar as dietas como as conhecemos?
Eu acho que muitas pessoas não tiveram uma boa educação alimentar, então reeducar agora é o mais importante. Reeducar o paladar principalmente para que você comece a gostar de alimentos frescos e naturais, como legumes e verduras, que muita gente não gosta e por isso acha que comer um brócolis que é rico em cálcio significa medicalizar a alimentação. Não, você pode comer isso por prazer também. Mudando os hábitos, você pode ter prazer na boa alimentação.

Você tem dois filhos pequenos. Como garantir que as crianças, talvez as mais afetadas pela propaganda da indústria de processados, seja saudável?O Ministério da Saúde diz que a gente não precisa e não deve dar açúcar para crianças menores de dois anos. Realmente não faz falta na vida da criança, não é um alimento que nutre. Serve simplesmente para agradar o paladar. Quanto mais tarde a gente apresentar esses alimentos para a criança melhor. E começar uma alimentação a partir dos seis meses com legumes e verduras, cereais integrais e feijões. Comidas mais neutras . O Nino ainda está bastante controlado, mas com a Flora funciona assim: em casa eles sabem como é a alimentação, não existe refrigerante ou leite condensado, coisas que ela sabe que são comidas de festas, comidas comemorativas para momentos eventuais. Não faço disso um hábito da vida dela. Acho que isso ajuda a entender o que deve comer mais, o que deve comer menos. A partir daí, o discernimento é dela, mas a base da educação alimentar ela vai ter.

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Laura Coutinho

Escrito por Laura Coutinho

Laura Coutinho é jornalista com mestrado em Relações Internacionais. Já morou em Porto Alegre, Londres e Lisboa e é apaixonada por viagens, gastronomia, cultura e inovação. Trabalhou mais de 15 anos no Grupo RBS como repórter, editora, colunista e assinou coluna social durante um ano no Jornal Notícias do Dia. Hoje, concilia a produção de conteúdo em site próprio com o trabalho de relações públicas.

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