A força das baristas: elas triunfam num espaço historicamente masculino e hoje dominam a ciência dos cafés especiais – Laura Coutinho

Texto Rodrigo Ramos e Laura Coutinho

Ainda que em desvantagem no mercado de trabalho, as mulheres ascendem num dos setores que mais crescem no país: o de cafés especiais. De mansinho, atrás dos balcões das cafeterias, as baristas conquistam um lugar até então dominado pelos homens, ganhando prestígio e revelando que são experts em aguçar o paladar de um consumidor exigente. “Caminhamos a passos de formiga, mas lutamos pela valorização feminina nesse meio majoritariamente masculino. Há ainda outros desafios, como o preconceito que as mulheres têm em relação a si próprias”, afirma Gisselle Schmidt, profissional do Café Psiquê de Florianópolis.

Vinícius Seminotti, divulgação

Comum na Europa e nos Estados Unidos, o ofício de barista ganhou projeção no Brasil a partir dos anos 2000 e desde então impulsiona o comércio de cafés mais elaborados, baseando-se em matérias primas de grande qualidade e  incremento de novos teores. “Tive a oportunidade de viver na Europa, onde a cultura do café é mais acentuada e a procura por blends extraordinários é frequente. Enquanto eles consomem de 11 a 13 kg do produto por ano, nós brasileiros ingerimos de 4 a 6 kg”, certifica Gisselle, que acredita ser um negócio com grande futuro no Brasil e principalmente em Florianópolis, além de proporcionar grandes horizontes para a mulher.

“Esses dados reforçam o potencial dessa cultura econômica, ainda pouco explorada por aqui, e nós, mulheres, nos destacamos por conta de nossos estudos aprofundados. A prova disso é o sucesso que conquistamos nos concursos nacionais e internacionais”, avalia a barista, que em 2008 abdicou da psicologia pelo aprendizado da arte do café. Com um currículo recheado de certificados, hoje ela é instrutora graduada da Specialty Coffee Associantion – SCA (Escola Americana e Européia de Cafés Especiais), e uma das referências do segmento em Santa Catarina.

Giselle e equipe. Vinícius Seminotti, divulgação

Café no feminino 

A psicologia perdeu também outra profissional. Após anos atuando numa instituição construtivista de ensino em São Paulo, Jess Barros seguiu os passos de Gisselle e apostou no barismo como um novo sentido pessoal. Na capital paulista encontrou o CoffeeLab, uma cafeteria e laboratório reconhecida pela engenhosidade de sua proprietária, Isabela Raposeiras, uma das pioneiras do ramo de cafés especiais no Brasil, ícone nacional e com fama internacional. “Sou uma coffeelover de carteirinha, e um dos meus hobbies favoritos era experimentar cafés dos mais variados lugares de São Paulo e das cidades que eu visitava. Assim veio a vontade de trabalhar com a bebida, mas não tinha consciência de que esse universo era tão complexo”, relembra a barista Jess Barros.

Vinícius Seminotti, divulgação

No pequeno Clemente Café, na Vila Mariana – charmoso bairro paulistano -, ganhou cancha e desde então orgulha-se de exercer a profissão e de acompanhar o desenvolvido dessa nova cultura através da ótica feminina. “Percebo que estamos cada vez mais presentes nesse nicho e que mais mulheres têm se interessado por esse universo que foge do conhecimento simplista sobre café, mas que incorpora uma profunda ciência, o estudo de toda uma cadeia produtiva”, analisa a profissional. Jess Barros vai além: “Acredito que nós sempre fomos tocadas por áreas de conhecimento que nos permite mergulhos complexos. E hoje, podemos ver grandes profissionais do gênero feminino tomando a frente na dianteira da cadeia produtiva, como produtoras, mestre de torra, baristas, empreendedoras e campeãs de campeonatos”, analisa a expert que já sinalizou interesse em investir em Florianópolis.

Para isso, em companhia da amiga e inspiradora Gisselle Schmidt, ela incursionou pela região serrana do Estado simplesmente para conhecer hábitos e costumes das pessoas com o café. Esse foi só o primeiro roteiro. A ideia é seguir adiante observando como as pessoas se relacionam com essa bebida – a segunda mais consumida no Brasil (só perde para a água) -, como é a produção local e qual o interesse das pessoas pelos cafés especiais, que carregam o maior grau de pureza e sabor. Nos próximos meses, novos lugares em Santa Catarina serão desvendados, com a participação de outros baristas convidados por Gisselle. Ao final dessa peregrinação de sabor, um livro será editado, focando a cultura da bebida em todas as regiões do Estado.

De menor-aprendiz à barista 

Yasmin Reis integra uma nova geração que já não vê barreiras de gênero. Dona de uma história recheada de dedicação e paixão pelo café, a catarinense de apenas 19 anos começou a trabalhar, ainda menor-aprendiz, como atendente de cafeteria em 2014, até que uma colega barista reconheceu nela o dom para a função, que exige delicadeza e atenção aos detalhes. E, claro, formaçao. Hoje barista no Café Cultura do Metropolitan Business Center, recém-inaugurado em Criciúma, depois de passar pela unidade da rede no Continente Shopping, Yasmin já fez seis cursos e planeja uma especialização na Escola de Baristas do Uruguai.  “Café faz parte da minha vida. A maior alegria é ver a satisfação do cliente”.

Mesmo sem dar bola para o preconceito, Yasmin reconhece que ele existe. “Baristas homens muitas vezes olham pra nós como se não soubéssemos fazer boa crema (a espuma de leite que vai em cima do café). Mas acho que nos sobressaímos pela delicadeza, algo importante no trabalho do barista”,  diz a especialista em Latte Art.

Hoje ela devolve o incentivo que recebeu da ex-colega que anteviu um potencial nela lá em 2014 estimulando amigas a colegas a entrarem no fantástico mundo do café. E, apesar de estudar  Direito, Yasmin não pensa em trocar o avental pela toga. “Depois de me formar, quero cursar Administração e Gestão de Pessoas. Meu sonho é ter minha própria cafeteria”.

 

 

 

 

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Laura Coutinho

Escrito por Laura Coutinho

Laura Coutinho é jornalista com mestrado em Relações Internacionais. Já morou em Porto Alegre, Londres e Lisboa e é apaixonada por viagens, gastronomia, cultura e inovação. Trabalhou mais de 15 anos no Grupo RBS como repórter, editora, colunista e assinou coluna social durante um ano no Jornal Notícias do Dia. Hoje, concilia a produção de conteúdo em site próprio com o trabalho de relações públicas.

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